A arte da tradução (Parte 1)
por Marcos Roberto/SuperSentaiMan/HERO
MAGAZINE FANSUB
Como alguns de vocês devem saber, eu estou revisando as
legendas dos episódios de Kamen Rider Wizard, feitas pela Over-Time, e
traduzidas pelo nosso amigo Alexandre Kusanagi, aqui para o site
Tokusatsus.com.br; o episódio duplo de Go-Busters, com a participação do
Policial do Espaço Gavan (eps. 31 e 32), além da série Esquadrão Terrestre
Fiveman, que é um projeto meu, exclusivamente para o Fansub, que também me
pertence, chamado HERO MAGAZINE. Então, agora que estamos devidamente
informados, vamos ao que interessa!
Introdução
Ao contrário do que muitos pensam, traduzir não é tão fácil
e simples como parece. Por esse motivo, muitos cursos de Letras optam por dar
ênfase em Tradução e Interpretação. Não basta ter o domínio/fluência do idioma
do qual se quer traduzir. Há também uma questão sociocultural e até mesmo de
origem do idioma, pois é muito mais fácil traduzir do inglês para o português
(pois ambas as línguas têm origem no latim), que do japonês para o português
(que têm origens completamente distintas).
Outro grande fato a ser levado em conta aparece quando os
textos a serem traduzidos têm expressões idiomáticas e gírias, ou ainda mesmo
jargões especializados, que devem ser preservados para não retirar o sentido sociocultural
da expressão. Por exemplo, ao se traduzir do português ao inglês a expressão
"Deus ajuda a quem cedo madruga" (expressão essa que não poderia ser
traduzida ao pé da letra, pois não faria nenhum sentido para quem fala inglês),
o tradutor escolhe o que melhor equivaleria à expressão do idioma alvo (inglês)
que nesse caso seria "The early bird catches the worm." (O pássaro
que acorda mais cedo, pega a minhoca). Apesar de que, ao pé da letra, o
significado não seja o mesmo, o conteúdo cultural, onde a expressão é usada,
fica intacta e, portanto, correta.
Diferenças do japonês
para o português

Como o assunto aqui é tokusatsu, vou me ater à tradução
desse gênero, que é o que me aventurei a fazer recentemente, já que tenho um
bom domínio da língua portuguesa, inglesa e um japonês básico, o suficiente
para corrigir muita coisa mal traduzida pelos gringos. Vou dar um exemplo bem
simples de uma frase muito usada em tokusatsu:
邪魔をするな! = Jama wo suruna!
Não impeça!
Não interfira!
Não atrapalhe!
邪魔 = Jama (lê-se jamá) significa, ao pé da letra,
impedimento/intrusão, mas também pode ser traduzido livremente como atrapalhar.
を = Wo (lê-se ô) é uma posposição (o contrário do que temos
em português: preposição) e é chamada assim porque vem DEPOIS do substantivo –
e não antes, como no nosso idioma). Nesse caso, em específico, não há tradução,
apenas indica que há/virá um verbo de ação após o seu uso, ou seja, toda vez
que há o uso de wo após uma palavra, obrigatoriamente virá (ou ficará subentendido),
um verbo de ação na frase – nesse caso, o verbo “suru” no negativo.
する = Suru (lê-se surú) basicamente
significa fazer e basta adicionar ele a qualquer substantivo, e esse se torna
verbo, como no caso de intrusão + fazer (fazer intrusão = se intrometer).
な = na (lê-se ná) aqui é apenas uma
forma contracta de “nai” e que complementa o verbo para deixa-lo no negativo.
Suru (fazer) + na (não) = suruna (não fazer). Como o verbo suru está
diretamente ligado à intrusão (como no exemplo acima), então teríamos jama
suruna. Porém, como dito antes, suru (ou suruna) são verbos de AÇÃO. Como tal,
pedem obrigatoriamente a posposição wo após o substantivo (jama = intrusão) que
dá origem à combinação com o verbo (suruna = não fazer). Temos então jama wo
suruna, literalmente “intrusão não faça”, que traduzimos como “não interfira”.
Viram como o japonês pode ser um pouco complicado para quem
não tem costume? E se repararam, a construção da frase também é bem diferente
da nossa: o verbo vem sempre no fim. Por exemplo: Eu sou brasileiro, em
japonês, ficaria “eu brasileiro sou”.
A escrita japonesa
Essa não é a única
dificuldade na tradução do idioma, principalmente com relação ao uso dos
Kanjis, os famosos caracteres de origem chinesa. O alfabeto japonês é
constituído por três alfabetos:
1-
Hiragana (lê-se Hiraganá): geralmente usado para
palavras de origem JAPONESA. São 50 caracteres.
2-
Katakana (lê-se Katakaná): geralmente usado para
palavras de origem ESTRANGEIRA. São 50 caracteres.
3-
Kanji (lê-se Kandí): caracteres de origem chinesa,
utilizados no idioma japonês. São tantos que, em 1981, o ministério da educação
do Japão fez uma lista, reunindo 1945 kanjis oficiais para uso comum na escrita
do país.
Até aí, tudo bem, você diria. Basta ter uma memória
excelente para decorar os 1945 kanjis + os 50 hiraganas e 50 katakanas,
totalizando 2045 caracteres a serem decorados, certo? ERRADO!
O grande problema dos kanjis está na sua versatilidade. Sim,
a leitura muda conforme a combinação dos caracteres feitos, ou mesmo se ele é
utilizado sozinho, fazendo com que esses 1945 kanjis possam dar origem a mais
de 10.000 (eu disse DEZ MIL) tipos de palavras. Haja cérebro!!!
Vamos a um exemplo, utilizando a palavra MONSTRO para
facilitar a compreensão. Monstro, em japonês, pode ser escrito de três
maneiras: Kaiju (forma de animal), Kaijin (forma humana) ou ainda Kaibutsu. Vamos pegar o
exemplo de Kaijin:
Kaijin
(escrito em romaji, ou seja, letras de origem romana, ocidental).
かいじん (escrito em hiragana, palavras de
origem japonesa).
怪人 (escrito em kanji, também usado
para palavras de origem japonesa).
Mas, e se quisermos escrever em japonês a palavra MONSTRO, baseados numa língua de origem estrangeira (não-japonesa)? Bom, é aí que entra
o katakana. Vamos usar o inglês como referência, por ser o idioma estrangeiro
mais utilizado em todo o planeta.
モンスタ一 (Monster,
escrito em katakana, para palavras de origem não-japonesa). Lê-se Monsutaa.
Até aí,
tudo bem, mas é agora que a coisa complica. Vamos usar um dos kanjis da palavra
monstro para ilustrar onde é que o bicho pega. O kanji escolhido será 人, que significa pessoa. Vamos lá:
人 = to (lê-se tô) e significa
pessoa. Porém, diversas maneiras de leitura/pronúncia/significado podem ser
usadas, dependendo da combinação dos caracteres. Vamos a eles:
人 = to = pessoa
人 = ri = contador para as pessoas (1人 = hitori, 2人 = futari, etc...)
人 = jin = atribuído ao nome do país para denotar
nacionalidade, por exemplo Burajiru = Brasil, BurajiruJin = brasileiro; pode
também atribuir a um nome (substantivo) uma ocupação (por ex.: Performance +
Jin = Performer); o homem; pessoa, as
pessoas.
人 = nin = contador para as pessoas; pessoa.
人 = hito = homem, pessoa; ser humano, a humanidade, as
pessoas; caráter, personalidade; homem de talento; verdadeiro homem; outras
pessoas; adultos.
人 = tari = contador para pessoas.
Somente nesse exemplo, temos 6 tipos de leituras diferentes
para um único Kanji - e existem outros
ainda mais complexos, mas acho que já deu para sentir o drama, né? rs
É por esse motivo, que a escrita ajuda e muito na hora de se
traduzir algo que foi dito, assim como acontece em alguns casos da língua
portuguesa, como no exemplo abaixo:
Seção = divisão = Seção de eletrodomésticos.
Sessão = reunião = Sessão de cinema.
Cessão = do verbo ceder = Houve cessão de alimentos aos
necessitados.
Ou seja, se você apenas ouve o que foi dito, sem saber os
caracteres usados, você precisa entender o contexto da frase inteira para,
assim, tentar traduzir corretamente o que foi dito. Pois é, é mesmo uma arte!
Amanhã vou falar sobre As legendas do
japonês para o inglês. Não perca!
Até mais! Jaa nee! ^^
+ comentários + 4 comentários
òtima explicação parabéns!
@ERICK HIMITSU
Valeu, Erick. Não perca amanhã a parte 2. \0/
Olá pessoal
Nossa! Como é complicado! É por esse e outros motivos que me recurso aprender outros idiomas que não usem o alfabeto latino, pois meu cerebro não consegue processar isso.
Contudo valeu pela explicação.
Até mais
@Iron Man
É, Iron. Quanto mais diferente a cultura, mais diferente a adaptação, e isso inclui o idioma.
Por isso, eu acredito que é preciso gostar da cultura para facilitar o aprendizado da mesma e, claro, ter uma certa facilidade para lidar com palavras/escrita, no caso da tradução de textos.
É preciso ter um domínio da língua pátria (no nosso caso, o português) e do idioma a ser traduzido.
Obrigado pela presença e não perca a parte 2 amanhã! :) Forte abraço.
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